Depois de uma caminhada,
pelos trilhos dos caminheiros da ilha de Santiago, as ondas do meu
olhar reclamam poiso. Paro no Pico da Antônia para celebrar o tempo,
depois de uma farta chuva. A natureza fogosa acolhe com satisfação
a bendita chuva, numa festa de cores e sons. Os basaltos parecem
todos vernizados, as terras cheiram a fresco de uma manta lavada nas
ribeiras. As gramas, soltam do chão, volumando encostas como
pinceladas impressionistas. Lances de pegadas artísticas que Deus
nos brinda, com humildade. Esse esforço divino é um gesto para a
humanidade; acolher e celebrar como se fosse em um espaço sagrado. A
natureza também é sagrada. Eu pelo menos entendo assim.
Na outra margem, vejo o
sopro do tempo, nevoeiro que se encrusta no peito do monte. Fumos, de
cigarro divino, abraçam com véu branco a composição do monte;
casas térreas, árvores fruteiras e animais. A jusante, água
corrente que jaez a moldura do lugarejo, cristal de sonhos muito
acalentado pelos nossos camponeses. O destino é a fonte, boca que
acolhe e retribui, consoante a economia local. A fonte é um lugar de
romaria, de grito e de silencio; também de socialização d'alma. Na
fonte arranja-se namoros, casamentos, inventa-se anedotas, até
brigas. Quem não se lembra Norberto Tavares, trovador desses
momentos únicos da vida rural, cuja crônica musical retrata essas
vivencias.
O sol, como sempre, é
atrevido. Depois de dormir na outra margem, aporta mudança de
rotina. O olhar voyeur do sol, alimenta suposições de uma torcida
erótica, que com feixes penetram no leito do monte. Descobre o
lençol do tempo, de relance tudo se torna público. O pentelho da
rocha, urzela, discorre à pique para a ribeira. Nela goteja água do
basalto, que como diz a lenda, Pinco d' Antônia é vulcão prenhe de
água. A orgia da natureza é um espetáculo aos olhos do mundo. A
química e física, todas juntas no momento de mudança.
O vento sopra na mesma
vertente, com viés de carícia e novidades. O seu sopro de trompete
namora o tempo, bate na rocha, e leva novidades à fonte. [...]